em intervalo
(espero que seja um intervalo criativo)
é provável que o improvável aconteça
Aristóteles
aristóteles é provavelmente um dos únicos homens que conheço que seria capaz de se movimentar tão convenientemente no mundo do acaso e das surpresas, mas era grego e está morto.
não sou uma pessoa dada a fazer generalizações. não gosto. provoca-me um formigueiro mental. no entanto, quanto mais olho mais reparo e os últimos dias têm-me revelado facetas da fragilidade masculina justificadas apenas pela crença absoluta na existência de uma ordem no universo.
dou por mim a pensar que os homens, digo, alguns homens são bem mais pressionados do que algumas mulheres por ideias feitas e senso comum, ideais de felicidade e bem-estar e protótipos sexuais e sociais.
talvez seja uma questão genética e as mulheres tenham inserido na sua linhagem feminina a expectativa de coisa nenhuma, depois de séculos e séculos a trabalhar com imponderáveis e aspectos práticos da vida - os filhos, o leite do peito que seca, a décima-quinta gravidez, a casa suja e desarrumada, a doença dos outros não anunciada, a comida a horas na mesa - e por causa disso, quando o acaso bate à porta e o inesperado acontece, haja sempre um café para lhe oferecer e uma palavra amiga: ora bem, já que aqui estás, demonstra-me o que me vens trazer, para que o possa aceitar. sentido pragmático. alguns elementos do sexo masculino, porém, ficam desconfortáveis e preferiam não ter aberto a porta, embora suspeitem que o acaso pode muito bem entrar pela janela. barafustam e protestam, com palavras muito altas e verdadeiramente sentidas. pensavam que a vida é pré-programável para a felicidade absoluta e não aceitam que uma coisa aparentemente impossível e inverosímil lhes possa alterar os planos. depois, ficam incoerentes e inseguros. tão frágeis que passam a duvidar de tudo e abanam com as suas próprias mãos os alicerces de tudo em que acreditam.
In my eyes
Indisposed
In disguise
As no one knows
Hides the face
Lies the snake
The sun
In my disgrace
Boiling heat
Summer stench
neath the black
The sky looks dead
Call my name
Through the cream
And I'll hear you
Scream again
Black hole sun
Wont you come
And wash away the rain
Black hole sun
Wont you come
Wont you come
Stuttering
Cold and damp
Steal the warm wind
Tired friend
Times are gone
For honest men
And sometimes
Far too long
For snakes
In my shoes
A walking sleep
And my youth
I pray to keep
Heaven send
Hell away
No one sings
Like you
Anymore
Hang my head
Drown my fear
Till you all just
Disappear
a letra é dos Soundgarden.
às vezes também me apetecia simplesmente que o mundo desaparecesse engolido por um buraco negro ou que o sol fosse coberto por um bando de pássaros negros ou que a matéria do universo se extraviasse. não tenho medo de catástrofes. às vezes tenho medo de mim.
por vezes abandono o caminho certo
entro em atalhos paralelos
caminho sobre pedras
esfacelo dedos e o meu amor próprio
corto-me nas arestas dos excessos do percurso
por vezes perguntam-me
onde vais
e eu não sei responder
não há equivalência possível
entre os trilhos dispersos
e o caminho certo
nem tão pouco a possibilidade real
de ambos irem ter ao mesmo ponto
como se de alguma forma
eu fosse dupla
um braço agitando-se para a esquerda
convencendo-se de que pode ser asa
um pé deslocando-se para a direita
firmado sobre a terra sólida
penso depois que ninguém tem culpa
e não devo arrastar ninguém comigo
e gostaria de ter uma ilha bem no meio de qualquer oceano
e ser náufraga solitária dos meus desejos inconstantes
e ser a liquidez da areia da praia
ou a impressão de um passo marcado sobre ela
quando o mar a limpa e a areia fica plana
lisa de certezas
como no poema de Cecília Meireles
tenho fases como a lua
tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
e, tal como a lua, é a mesma face que projecto nas minhas fases, pois ora a escondo, ora a mostro, ora surge o nevoeiro mais denso e ela fica invisível, ora sou metades, ora sou quartos.
e, tal como a lua, não é minha a luz que devolvo, dependo do avanço contínuo do movimento dos planetas, cometas, estrelas, constelações.
e, tal como a lua, não sou o centro do universo, antes rodopio, aproximo-me e afasto-me ao ritmo das marés.
não sei porquê, mas lembrei-me. havia um forte americano montado em cima da cama. cavalos, índios e cowboys, vickie, ilvy e sven, carrinhos e uma carruagem de princesa, bonequinhos moles que dormiam em caixas de fósforos, soldados e cavaleiros aprumados e as armas do cluedo. personagens de uma história recriada ao ritmo das tardes, abertamente negociada sem ressentimentos posteriores, com explosões de emoção, ilvy deixando o vickie para se casar com o cowboy a bordo da bela carruagem puxada pelo cavalo do índio. havia o riso da minha amiga e o cheiro do café com leite e do pão com manteiga. o tempo lambia-me as mãos devagar e a história continuava todos os dias, ora aos tropeções, ora fluindo leve, e iamos aprendendo a impossibilidade de prever todas as hipóteses para o nosso universo, montado todos os dias em cima da cama, diferente de cada vez, com desaparecimentos súbitos de personagens engolidas pelo aspirador e tragédias e catástrofes de plástico partido.
no Louvre existe este Saturno devorando os seus filhos que nunca vi. é de Simon Hurtrelle.
lamento muitas vezes as coisas que nunca vi, nunca ouvi, nunca toquei, nunca senti.
às vezes sento-me no sofá com as sensações e emoções que nunca experimentei, encosto-me a elas e adormeço.
hoje, entristece-me o simples facto de paixão não ser palavra-tag utilizada frequentemente nos blogs do sapo. palavra-etiqueta, palavra-prova, palavra-montra, palavra-chave. hoje, precisava que fosse e que a palavra aparecesse redonda no monitor.
há ondas nos teus silêncios que se quebram junto à minha pele. são círculos, anéis concêntricos, cada vez mais ténues à medida que se propagam sobre mim, mas efeito dúbio: alimentam-me o desejo de estar próxima, quando as mensagens cruzadas no meu cérebro gritam perigo e alarme.
lugares em que me sinto bem